Por dentro do Rio
Amazônia Soul: um pouquinho do Pará em Ipanema
por Constance Escobar em 17 de junho de 2011
Naquele fim de tarde remoto, experimentei pela primeira vez a feijoada amazônica, feita, basicamente, com as mesmas carnes da feijoada que comemos por aqui, mas usando a folha da mandioca brava (a maniva) no lugar do feijão. Sabor difícil pra muitos paladares, mas que ao meu agradou – numa mistura de estranheza e encantamento, confesso. Aguçou a curiosidade que já existia em mim a respeito da cozinha da região. Ainda bebi suco de muruci, frutinha amarela que, acreditem, tem algo de queijo em seu sabor, o que desagrada muita gente, mas que tem em mim uma fã (embora o suco de bacuri continue sendo, de longe, o meu favorito). Encerrei com sorvetes da marca Cairu, mais que uma sorveteria, uma verdadeira instituição em Belém. Já os conhecia e já os considerava dos melhores sorvetes que experimentei no Brasil (especialmente, o de bacuri e o de açaí). Foi com esse delicioso reencontro que se deu o desfecho de uma noite que me deixou, no mínimo, curiosa, intrigada a respeito daquela pequena loja e da suposta autenticidade de seus produtos.
Voltei algumas vezes. E encontrei sempre (além, claro, dos muitos gringos que não faziam ideia do que comiam) paraenses às mesas, comendo seus tacacás, suas maniçobas, seus açaís. O que me pareceu, de certa forma, um atestado da procedência do que se serve ali. Eu mesma me vi retornando à loja, alguns dias atrás, recém chegada do Pará, na ânsia de reencontrar alguns dos sabores que me fascinaram por lá. Soube, lá mesmo em Belém, que o dono (ou um dos donos) da loja, de fato, vai regularmente à cidade e de lá traz consigo tudo o que se vende na Amazônia Soul.
É indiscutível que a viagem castiga a comida que vem de lá pra ser vendida aqui. Comer uma maniçoba que foi congelada, por mais que seja boa, não é o mesmo que comê-la recém preparada, com os sabores todos ainda bem vivos e aprisionados numa tigelinha fumegante. A experiência de tomar um soberbo açaí às margens do rio Guamá dificilmente poderá ser reproduzida num quarteirão de Ipanema, por mais que o açaí que se sirva ali seja grosso e devidamente acompanhado de farinha de tapioca, sem os tantos outros adereços a que nos acostumamos por aqui. Bem como me parece que o tacacá na Amazonia Soul é algo diluído, menos forte que o original, mais domado, se é que me entendem. E os sorvetes Cairu, por sua vez, sofrem, inegavelmente, com a oscilação de temperatura a que são submetidos e perdem um tanto da sua cremosidade.
Mas um pouco que seja da essência daqueles sabores está, de alguma maneira, mantida ali. E é isso que permite que se realize o que, a meu ver, é o maior mérito da loja. Fazer uma ponte praqueles que ainda não estiveram na região. Dar a conhecer parte do que está posto naquelas mesas que nos parecem tão distantes – e eu não falo só de comida, mas, necessariamente, de cultura. Despertar interesse – ou aguçá-lo nos que já o têm. E, claro, de certa forma, acolher os filhos daquela terra, que, por algum motivo, vieram parar aqui e sentem prazer em debruçar sua saudade numa cuia de maniçoba ou de tacacá.
Numa das últimas visitas, não resisti a puxar assunto com a senhorinha septuagenária sentada ao meu lado. Desandou a falar da sua Belém natal, que, naquele momento, estava claramente representada na tigelinha de açaí que ela saboreava. Um tantinho aguado, sem toda a intensidade que dá fama ao fruto, mas melhor do que a média do que se encontra por aqui. Bom o suficiente pra fazê-la, a cada colherada, dar um pulinho no Pará e voltar. Ali mesmo, sem sair de Ipanema.
Amazônia Soul – Rua Teixeira de Melo 37 (esquina com Prudente de Morais, em frente à Praça General Osório).
FONTE:http://viajeaqui.abril.com.br/blog/por-dentro-do-rio/amazonia-soul-um-pouquinho-do-para-em-ipanema/
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