quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

"TRAGÉDIA DO BRIGUE PALHAÇO"

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A tragédia do Brigue Palhaço, também referida como massacre do Brigue Palhaço, foi um episódio da História do Pará, ocorrido na cidade de Belém em 1823, no contexto da Guerra da Independência do Brasil (1822-1825).

[editar] História

Na noite do dia 16 de Outubro de 1823, um grupo de soldados do 2º Regimento de Artilharia de Belém e de desordeiros embriagados, voltou a efetuar ataques a estabelecimentos comerciais portugueses na cidade, iniciados na noite anterior. As patrulhas, compostas por praças de segunda linha, sem conseguir coibir as desordens, informaram a força naval Imperial, sob o comando de John Pascoe Grenfell. Este determinou, já alta noite, o desembarque de tropas, reforçadas por elementos dos navios mercantes surtos no porto, que detiveram e recolheram à cadeia todas as pessoas encontradas pelas ruas e casas suspeitas e denunciadas, indistintamente.
No dia 17 foram sumáriamente fuzilados cinco indivíduos. Os soldados, inclusive os cidadãos detidos na noite anterior, em número de duzentos e cinqüenta e seis, foram recolhidos à cadeia pública até ao dia 20, quando foram transferidos para bordo de um brigue no porto, denominado "São José Diligente", depois "Palhaço", sob o comando do 1º Tenente Joaquim Lúcio de Araújo.
Confinados no porão da embarcação,tendo sido fechadas as escotilhas e mantendo-se aberta apenas uma pequena fresta para a entrada de ar, devido à superlotação e ao calor a bordo, os prisioneiros começaram a gritar reclamando por água e mais ar, alguns chegando mesmo a ameaçar a guarnição, em seu desespero.
Da narrativa dos sobreviventes, depreende-se que, tendo sido lançada água do rio aos prisioneiros numa tina existente no porão, agravou-se o tumulto pela disputa, renovando-se os protestos dos prisioneiros.
A guarnição decidida a acalmar os ânimos, disparou alguns tiros de fuzil para o interior do porão, em cujo interior, ato contínuo, espargiu quantidade de cal viva, cerrando a abertura do porão.
No dia seguinte, às sete horas da manhã do dia 22, aberto o porão do navio na presença de seu comandante, contaram-se duzentos e cinquenta e dois corpos (com sinais de longa e penosa agonia) e quatro sobreviventes, dos quais, no dia seguinte, apenas um resistiu, de nome João Tapuia. No total pereceram 252 homens, sufocados e asfixiados:
Grenfell não assumiu a culpa pelo incidente, argumentando que o ataque não fora executado sob suas ordens.

[editar] Aspectos historiográficos

Um levantamento documental dos fatos ocorridos em 1823 e que culminaram com o massacre do Brigue Palhaço foi efetuado pela socióloga Célia Gomes de Azevedo, com o respaldo da "Comissão Permanente dos Direitos Humanos" da Câmara Municipal de Belém. De acordo com a pesquisa, nos arquivos da cidade de Belém não existem documentos sobre o episódio. Sobre a adesão à Independência do Brasil, existe correspondência trocada entre o governo do Grão-Pará e a Coroa Portuguesa, em Lisboa.
Entre o que foi possível levantar, a pesquisadora destaca que, da "Coordenação Geral de Divulgação e Acesso Documental" do Arquivo Nacional no Rio de Janeiro, proveio uma relação nominal dos mortos no brigue Palhaço, um histórico sucinto dos fatos e referências a uma segunda devassa (de quatro efetuadas).
O "Translado da devassa que se procedeu sobre a morte de presos a bordo de São José Diligente", contém a relação nominal de duzentos e cinquenta e seis detidos, dos quais, segundo afirma o documento, sobreviveram apenas quatro. Entretanto, o mesmo documento menciona os nomes de cinco sobreviventes:
  • Sabino José Gonçalo;
  • Antônio Duarte, furriel do Regimento de Cavalaria;
  • Apolinário Antônio, do Regimento de Artilharia;
  • Constantino, do Regimento de Cavalaria; e
  • Lourenço Ginsimiano, listado duas vezes, entre os mortos e os sobreviventes.
Segundo a referida devassa, era necessário o testemunho de trinta pessoas para o pleno esclarecimento dos fatos, mas apenas doze foram ouvidas tendo o mesmo sido dado como elucidado, concluindo pela afirmativa de que os presos haviam se matado entre si, por estrangulamento.
De acordo com o historiador João Lúcio, as doze testemunhas ouvidas faziam parte do grupo autor da chacina, embora o documento afirme que as quatro primeiras testemunhas tenham sido os sobreviventes.
Na Biblioteca Nacional, também no Rio de Janeiro, Célia Gomes encontrou a "Exposição breve de como foram fuzilados cinco brasileiros e mortos 252 no porão do navio São José Diligente". Este documento narra que, no dia 17 de Outubro, 255 pessoas foram presas. Grenffel, diz o documento, determinou que elas fossem afastadas braço-a-braço e conduzidas com brutalidade para o navio.
Este documento cria uma controvérsia, ao negar a teoria de que os presos teriam sido mortos por corrosão provocada por cal (óxido de cálcio) virgem. No navio, diz o documento, havia uma tina de água envenenada e os presos estavam encarcerados no porão, com as escotilhas fechadas.
Segundo tal documento, a morte dos presos teria sido conseqüência da sede, que os obrigou a tomar a água envenenada, falta de ar e uma luta desesperada para alcançar e forçar a abertura das escotilhas. Diante da situação, Grenffel mandou abrir fogo sobre os presos e determinou ao comandante da embarcação, Joaquim Lúcio Araújo, que cortasse as cabeças e braços que aparecessem fora das escotilhas. Pela manhã, havia 252 pessoas mortas e os quatro sobreviventes foram presos incomunicáveis e nada mais se soube deles. O documento relata uma cena emblemática que teria ocorrido na manhã do dia 21: sobre o tombadilho do "São José Diligente" foi estendida uma imensa peça de pano, vedando a visão do barco para o continente. Sob este anteparo, que segundo João Lúcio, "ainda hoje cobre a nossa visão", os mortos foram trasladados do brigue Palhaço para outro navio que estava por trás e que transportaria os corpos para a localidade de Penacova, na área de Miramar, nas imediações do antigo depósito de inflamáveis do "Port of Pará" (arrendatária inglesa do porto de Belém, à época). O documento informa, ainda, que foi constituída uma junta para fazer os exames de corpo de delito. A junta era presidida por José Antônio Roso e complementada por dois vogais, cujos nomes não são citados. A junta ouviu três testemunhas: Grenffel e dois boticários, os farmacêuticos da época. João Lúcio alerta para a relação entre os boticários e o veneno encontrado no porão do brigue. Um terceiro documento, intitulado "Defesa do 1º tenente da Armada Nacional Joaquim Lúcio Araújo", foi localizado na Biblioteca Nacional. Neste documento, o autor, Antônio Ferreira de Lima, menciona duas devassas: a primeira, cuja conclusão foi morte por estrangulamento e uma segunda, chamada "La devassa", que ainda não foi encontrada. Esta segunda devassa, segundo a pesquisadora Célia Gomes, anularia a primeira e apontaria, como causa morte, envenenamento por água forte, uma substância ácida, altamente corrosiva, utilizada em procedimentos gráficos. Isto, porém, diz ela, "não faz sentido, já que os corpos estavam enterrados e não houve exumação dos cadáveres, para a realização de exames necrológicos".
Célia Gomes solicitou à Biblioteca Nacional a remessa para Belém dos documentos ali encontrados, a fim de compor o acervo do Arquivo Municipal a ser criado. Também foram requisitados, à Biblioteca do Senado Federal, em Brasília, os três decretos do imperador D. Pedro I:
  • o primeiro decreto imperial, datado de 21 de Janeiro de 1824, julga a devassa ocorrida em Belém, em Outubro de 1823;
  • o segundo, datado de 27 de Fevereiro de 1824, dispõe sobre as "nulidades insanáveis na devassa"; e
  • o terceiro, de 16 de Março de 1824, que declara sem efeito o decreto anterior, de 27 de fevereiro, ou seja, anula as "nulidades insanáveis da devassa" (TADHEU, 2003).

[editar] Bibliografia

  • RAYOL, Domingos Antônio. Motins Políticos (vol. I), Belém: Universidade Federal do Pará, 1970.
  • TADHEU, Raul. Jornal O Liberal, Outubro de 2003. apud: CAMPOS, Ademar da Silva. Atos e Relatos da História do Pará. 2006.
 

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