Sistema Prisional Brasileiro: Desafios e Soluções
“Já me tiraram a comida e o sol, já levei chute e bofetada. Abriram as pernas da minha mulher, arrancaram a roupa de minha mãe. Não tem mais o que tirar de mim, só ódio.” (J. M. E. 31 anos, preso no Rio de Janeiro) RESUMO: o artigo discorre sobre a realidade do…
Artigos 46932
“Já me tiraram a comida e o sol,
já levei chute e bofetada.
Abriram as pernas da minha mulher,
arrancaram a roupa de minha mãe.
Não tem mais o que tirar de mim, só ódio.”
(J. M. E. 31 anos, preso no Rio de Janeiro)
RESUMO: o artigo discorre sobre a realidade do sistema carcerário brasileiro, os principais problemas e desafios existentes, bem como apresenta algumas possíveis soluções.
PALAVRAS-CHAVE: sistema carcerário brasileiro – prisão – ressocialização – medidas alternativas – política criminal.
ABSTRACT: the article discusses the reality of the Brazilian prison system, the main existing problems and challenges, and presents some possible solutions.
KEYWORDS: Brazilian prison system – prison – resocialization – alternative measures – criminal politics -
Originalmente as prisões foram criadas
como alternativas mais humanas aos castigos corporais e à pena de morte.
Já, num segundo momento, estas deveriam atender as necessidades sociais
de punição e proteção enquanto promovessem a reeducação dos infratores.
Mas sabemos que tem sido utilizadas para servir a propósitos muito
diferentes daqueles originalmente visados.[1]
Segundo dados oficiais (CNJ/DPN), o
Brasil tinha 422.373 presos, numero que subiu 6,8% (451.219) em 2008 e
4,9% (473.626) em 2009. Atualmente, o país conta com quase 500 mil
presos – seguindo esse ritmo, estima-se que em uma década dobre a
população carcerária brasileira.[2]
O Brasil é a terceira maior população carcerária do mundo, só fica
atrás dos Estados Unidos (2,3 milhões de presos) e da China (1,7 milhões
de presos).[3]
Dos quase 500 mil presos, 56% já foram
condenados e estão cumprindo pena e 44% são presos provisórios que
aguardam o julgamento de seus processos; A capacidade prisional é de
cerca de 320 mil presos. Assim, o déficit no sistema prisional gira em
torno de 180 mil vagas; Há cerca de 500 mil mandados de prisão já
expedidos pela justiça que não foram cumpridos; Cerca de 10 mil pessoas
são detidas mensalmente; O índice de punição de crimes é inferior a 10%.
Isso mostra que se a polícia fosse mais eficiente, o poder público não
teria onde colocar tantos presos e a superlotação seria maior; Quase 60
mil pessoas se encontram encarceradas em delegacias, pois as
penitenciarias e cadeiões não comportam e não dispõem de infra-estrutura
adequada; A construção de novas prisões custa, em média, cerca de R$
25.000 por vaga; Em termos de manutenção das vagas existentes, cada
preso custa, em média, cerca de R$ 1.500 por mês aos cofres públicos. É
muito dinheiro, mas e daí?
A população carcerária brasileira compõe
se de 93,4% de homens e 6,6% de mulheres. Em geral, são de jovens com
idade entre 18 e 29 anos, afrodescendente, com baixa escolaridade, sem
profissão definida, baixa renda, muitos filhos e mãe solteira (no caso
das mulheres). Em geral, praticam mais crimes contra o patrimônio (70%) e
tráfico de entorpecentes (22%); A média das penas é de 4 anos.
As prisões no Brasil, segundo o relatório da ONG Human Rights Watch
(sobre violações dos direitos humanos no mundo) estão em condições
desumanas, são locais de tortura (física e psicológica), violência,
superlotação.[4]
Vive-se uma situação de pré-civilização no sistema carcerário.
Constata-se péssimas condições sanitárias (v.g. um chuveiro e um vaso
sanitário para vários detentos) e de ventilação; colchões espalhados
pelo chão (obrigando os detentos a se revezarem na hora de dormir);
superpopulação (falta de vagas, inclusive em unidades provisórias); má
alimentação; abandono material e intelectual; proliferação de doenças
nas celas; maus tratos; ociosidade; assistência médica precária; pouca
oferta de trabalho; analfabetismo; mulheres juntas com homens, já que a
oferta de vagas para mulheres é muito baixa; homens presos em conteiners; há
desproporcionalidade na aplicação de penas; mantém se prisões
cautelares sem motivação adequada e por mais tempo do que o previsto;
falta Defensória Pública eficaz, pois muitos presos que já poderiam
estar soltos continuam presos, já que não têm dinheiro para contratar um
bom advogado; contudo, quando se observa a realidade das mulheres em
estabelecimentos prisionais, as dificuldades são ainda maiores, pois o
Estado não respeita as especificadas femininas, como por exemplo, a
falta de assistência médica durante a gestação, de acomodações
destinadas à amamentação e na quase ausência berçários e creches.[5]
Segundo Cezar R. Bitencourt, eminente penalista, as deficiências apresentadas nas prisões são muitas:
a) maus tratos verbais ou de fato
(castigos sádicos, crueldade injustificadas, etc.); b) superlotação
carcerária (a população excessiva reduz a privacidade do
recluso, facilita os abusos sexuais e de condutas erradas); c) falta de
higiene (grande quantidade de insetos e parasitas, sujeiras nas celas,
corredores); d) condições deficientes de trabalho (que pode significar
uma inaceitável exploração do recluso); e) deficiência dos serviços
médicos ou completa inexistência; f) assistência psiquiátrica deficiente
ou abusiva (dependendo do delinqüente consegue comprar esse tipo de
serviço para utilizar em favor da sua pena); g) regime falimentar
deficiente; g) elevado índice de consumo de drogas (muitas vezes
originado pela venalidade e corrupção de alguns funcionários
penitenciários ou policiais, que permitem o trafico ilegal de drogas);
i) abusos sexuais (agravando o problema do homossexualismo e onanismo,
traumatizando os jovens reclusos recém ingressos); j) ambiente propicio a
violência (que impera a lei do mais forte ou com mais poder,
constrangendo os demais reclusos).[6]
Segundo dados do InfoPen, um único
médico é responsável por 646 presos; cada advogado público é responsável
por 1.118 detentos; cada dentista, por 1.368 presos; e cada enfermeiro,
por 1.292 presos. Todavia, a Resolução do Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária determina que para cada grupo de 500 presos
exista um médico, um enfermeiro, um dentista e um advogado. O
descumprimento da lei não está apenas na assistência dos presos. Segundo
a legislação cada detento deveria ter cela individual e área mínima de 6
metros quadrados. Mas a realidade é outra, pois nos cárceres há um
verdadeiro amontoamento de presos, depósitos humanos, onde ficam apenas
contidos, segredados.
No Brasil, a (alta) taxa de reincidência
criminal, se situa em torno de 70% (ante 16% na Europa). Como não há
reeducação (aprimoramento humano e profissional), quando voltam ao
convívio social, geralmente se enveredam novamente para o crime. Se
torna um ciclo, pois quanto mais gente se prende, mas potenciais presos
se está formando, mas com o diferencial de que a cadeia o “aprimorou”
para o crime (escolas do crime). Assim, quando o preso sai da cadeia,
vamos nos deparar com alguém mais perigoso, embrutecido e, obviamente,
sem nenhuma condição de acesso ao mercado de trabalho. O estigma de
cometer um delito acompanha o ex-detento por toda a vida e geralmente
chega ao ouvido dos futuros patrões, inviabilizando a possibilidade de
trabalho. A falta de oportunidades reserva basicamente uma única opção
ao ex-presidiário: voltar a infringir a lei quando retorna ao convívio
social. É como se a sociedade o empurrasse novamente para o mundo do
crime. Há um preconceito de toda a sociedade. Isso tudo, sem dúvida,
torna muito pouco provável a reabilitação. Triste realidade. Todavia, é
preciso oferecer perspectiva de futuro ao preso, caso contrário, as
penitenciárias vão seguir inchadas de reincidentes.
Apesar de ser uma exigência para a
ressocialização, as atividades laborais e os cursos profissionalizantes,
estão longe de ser uma realidade. Estudos mostram que aproximadamente
76% dos presos ficam ociosos. Em todo país, apenas 17%% dos presos
estudam na prisão – participam de atividades educacionais de
alfabetização, ensino fundamental, ensino médio e supletivo. Todavia,
trabalhar ou estudar na prisão diminui as chances de reincidência em até
40%.[7]
Dar um tratamento digno ao preso, propiciando-lhe trabalho e educação,
além da inserção no mercado de trabalho, é uma forma de combater o
crime. Por isso, as empresas e o governo precisam incentivar a criação
de oportunidades de trabalho e cursos de capacitação profissional para
presos e egressos do sistema carcerário, de modo a concretizar ações de
cidadania, promover a ressocialização e conseqüente redução da
reincidência.
Por conta deste quadro polêmico que
atinge todos os Estados brasileiros, para enfrentá-lo, o Conselho
Nacional de Justiça apresentou algumas soluções: promoveu mutirões[8],
passou a estimular os juízes criminais a reduzirem os números das
prisões provisórias, a aplicarem penas alternativas e permitirem o
monitoramento eletrônico de presos. No entanto, apesar dos sucessivos
esforços e avanços, os resultados dessas iniciativas ficaram abaixo das
expectativas. É dizer, o sistema prisional continua em crise. Mas não é
só. O mais grave é que este problema só tende a se agravar.
Sem embargo, há um consenso entre os estudiosos de que: é preciso evitar que as pessoas precisem ir à cadeia.
Uma solução adotada em alguns países, como no Reino Unido (que
representa um dos menores índices de presos no mundo), por exemplo, é
reservar as prisões somente para os criminosos considerados perigosos
que oferecem risco à sociedade, como o homicida ou quem comete crime
sexual, ampliando, assim, a utilização de penas e medidas alternativas
(à prisão), com acompanhamento (e fiscalização) dos condenados pelo
Estado e sociedade. Com certeza, as possibilidades de recuperação de
quem cometeu um delito considerado leve ou médio são comprovadamente
muito maiores quando o condenado não cumpre sua pena em regime fechado.
Além disso, as chances de a pessoa reincidir são menores – em torno de
12%. Outro fator positivo é que, embora a aplicação de penas e medidas
alternativas, de acordo com a legislação vigente, não represente um
esvaziamento imediato dos presídios, impede o agravamento da
superpopulação carcerária. Sob um ponto de vista econômico, o governo
gasta mais de US$ 1,5 bilhão por ano para manter a população carcerária,
sendo que o custo mensal da manutenção do preso com uma pena
alternativa gira em torno de R$ 70 por mês.[9]
Sabemos que no país já existe esforço
para aplicar e conscientizar sobre a importância e necessidade das penas
alternativas, mas, ainda assim, continuam sendo a exceção. Os crimes de
menor gravidade, inclusive contra o patrimônio, são punidos com prisão,
havendo grande mistura entre os detentos. Com isso, as penitenciárias
se tornam as verdadeiras escolas do crime. Na verdade, quando os juízes
justificam a não substituição em nome do temor, gravidade do delito,
risco à sociedade, etc. estão demonstrando a falta de estrutura do
Judiciário (do Estado como um todo) na fiscalização do cumprimento das
penas alternativas. Sem dúvida é mais cômodo e barato pagar um
carcereiro para cuidar de um cadeado do que investir nas centrais de
atendimento, na capacitação de funcionários e no exercício da cidadania.
Como construir e manter cadeia não dá voto e prestígio aos governantes,
eles não estão nem aí com a desgraça prisional.
A aplicação da pena alternativa deve ser a
regra. A prisão deve ficar no lugar que lhe cabe: o de exceção. Não
adianta insistir no erro, ou seja, acreditar que sanções mais rigorosas,
menos benefícios, ampliação do número de vagas prisionais, resolverá o
problema. É exatamente isso que está levando o sistema prisional ao
colapso, a falência total, a uma verdadeira bomba-relógio prestes a
explodir. Pois há muito se chegou à conclusão de que o problema da
prisão é a própria prisão.
Desde o principio do século XVIII as prisões são veemente criticadas, denunciando que a prisão foi “o grande fracasso da justiça penal”,
por uma série de defeitos, entre eles, segundo Foucault: a) as prisões
não diminuem a taxa de criminalidade; b) provocam a reincidência; c) não
podem deixar de fabricar delinqüentes, mesmo porque lhe são inerentes o
arbítrio, a corrupção, o medo, a incapacidade dos vigilantes e a
exploração (dentro dela nascem e se desenvolvem as carreiras criminais);
d) favorecem a organização de um meio de delinqüentes, solidários entre
si, hierarquizados, prontos para todas as cumplicidades futuras; e) as
condições dadas aos detentos libertados condenam-os fatalmente à
reincidência; f) a prisão fabrica indiretamente delinqüentes, ao fazer
cair na miséria à família do detento.[10]
No início da década de 70, se colocaram
sérias críticas à perspectiva retributiva e em relação à eficácia das
instituições totais, em especial ao cárcere (e seu sustento operativo:
“ideologia do tratamento ressocializador”, assente na crença do
potencial regenerador de todo o ser humano) e ao tratamento através da
pena privativa de liberdade.[11]
Adveio, então, por parte da doutrina, duas propostas político
criminais: de um lado, um setor advogou na defesa do regresso às teses
retributivas e na aplicação de doutrinas “just deserts”
(recebimento da punição merecida), com o inevitável endurecimento das
penas/punição, de outro lado, propôs-se uma mudança de orientação nas
políticas penais, numa direção à alternativas ao cárcere (devendo ser a
prisão somente estipulada para os criminosos de alta periculosidade e
que tenham praticado reiteradas condutas – cárcere como última cartada),
bem como ao desenvolvimento da perspectiva vitimológica, orientada à
reparação dos danos causados às vítimas e a reconciliação do infrator
com a vítima e com a sociedade,[12] onde se insere, por exemplo, a justiça restaurativa.
É dizer, esse movimento crítico
objetivava a reformulação do sistema prisional, levando a busca de
alternativas às prisões e a pena privativa de liberdade[13]
e foi fortemente marcado pelos trabalhos da Escola de Chicago e de
Teoria Crítica ou Radical que se desenvolveram na Universidade de
Berkeley (onde foi criada a Union of Radical Criminologists), na
Califórnia (EUA) e o movimento inglês, organizado em torno da National
Deviance Conference (NDC), encabeçados por Ian Taylor, Paul Walton e
Jock Young (The new criminology: for a social theory of desviance, 1973 e Critical Criminology, 1975).[14]
Nos Estados Unidos alguns grupos religiosos (sobretudo os Quaker e
Mennonitas) se unem à corrente da esquerda radical americana para
contestar o papel e os efeitos das instituições repressivas e para
encontrar uma alternativa ao uso estendido da pena.[15]
O movimento crítico americano encontra
eco na Alemanha (Escola de Frankfurt) e em outros países europeus com os
trabalhos de Michel Foucault (Vigiar e Punir: o nascimento da prisão, 1975), Françoise Castel, Robert Castel e Anne Lovell (A sociedade psiquiátrica avançada: o modelo americano, 1979), Nils Christie (Limites da dor, 1981) e Louk Hulsman (Penas perdidas: o sistema penal em questão, 1982).[16]
Também podemos citar Escola de Bolonha, em que avultam os nomes a quem
se devem vários trabalhos de criminologia radical, como de D. Melossi,
M. Pavarini, F. Bricola e A. Baratta. Na Holanda, com a criação do
Instituto de Justiça Criminal, em Amsterdã, dirigido por H. Bianchi, e
que passa a ser o centro da política criminal holandesa. Nos países de
língua portuguesa merecem destaque os estudos de Boaventura de Sousa
Santos (a lei dos oprimidos: a construção e reprodução da legalidade em Pasárgada, 1977), Roberta Lyra Filho (Criminologia dialética, 1972) e Juarez Cirino dos Santos (Criminologia radical, 1981).[17] Outro importante trabalho foi publicado em 1974, por Martinson, no artigo intitulado: Qué funciona? Preguntas y respuestas acerca de la reforma de la prisión?,
onde indicou que, salvo algumas exceções isoladas, os efeitos
reabilitadores, que hão sido relatados a muito tempo, não tiveram o
efeito desejado.[18]
Podemos ressaltar que, com a criminologia moderna (crítica), três
tendências distintas começaram a se delinear: o neo-realismo de
esquerda, a teoria do direito penal mínimo e o abolicionismo.[19]
Sem embargo, hoje em dia, uns são adeptos
do Direito Penal Máximo, vêem na pena de prisão a solução para o
problema do crime. De outra banda, temos o grupo do Direito Penal
Mínimo, cujos componentes entendem que a cadeia deve servir somente para
aqueles que cometem crimes de extrema gravidade, sendo a liberdade a
regra, admitindo-se excepcionalmente o cerceamento da liberdade
individual. Podemos ainda acrescer que, dentro desse universo, existem
opiniões extremadas para ambos os lados, tal qual o grupo dos
abolicionistas, os quais gostariam de ver a sociedade livre do Direito
Penal, ou então os adeptos do Direito Penal do Terror, simpáticos à pena
de morte, regime disciplinar diferenciado e à prisão perpétua, onde
“bandido bom é bandido morto” ou então “este deve apodrecer na cadeia”.
Como se situar dentro desse contexto? Como as opiniões extremadas não
são as soluções, é melhor continuar com o Direito Penal. Todavia, cremos
que, apesar dos dois sistemas terem suas virtudes e imperfeições, o
Direito Penal Mínimo é a melhor solução, pelo menos a curto e médio
prazo.[20]
A prisão, conseqüência por excelência dos sistemas penais, só deve se
voltar para casos excepcionais, crimes mais graves e intoleráveis, não
solucionáveis por via distinta[21] e o direito penal precisa se restringir e justificar ao máximo sua intervenção.[22]
Nessa linha de raciocínio, Juarez Cirino
dos Santos, partidário do Direito Penal Mínimo, afirma: O SISTEMA PENAL
PRECISA SER REDUZIDO,
[...] os objetivos do sistema
prisional de ressocialização e correção estão fracassando há 200 anos, e
muito pouco está sendo feito para mudar a situação. Prisão nenhuma
cumpre estes objetivos, no mundo todo. O problema se soma ao fato de que
não há políticas efetivas de tratamento dos presos e dos egressos. Fora
da prisão, o preso perde o emprego e os laços afetivos. Dentro da
prisão, há a prisionalização, quando o sujeito, tratado como criminoso,
aprende a agir como um. Ele desaprende as normas do convívio social para
aprender as regras da sobrevivência na prisão, ou seja, a violência e a
malandragem. Sendo assim, quando retorna para a sociedade e encontra as
mesmas condições anteriores, vem à reincidência. A prisão garante a
desigualdade social em uma sociedade desigual, até porque pune apenas os
miseráveis. Por isso defendo o desenvolvimento de políticas que
valorizem o emprego, a moradia, a saúde, a educação dos egressos. A
criminologia mostra que não existe resposta para o crime sem políticas
sociais capazes de construir uma democracia real, que oportunizem aos
egressos condições de vida [...].[23]
O eminente criminólogo propõe três eixos
principais que precisam ser trabalhados para resolver o problema:
descriminação, despenalização e desinstitucionalização, que incluem
políticas sociais, penas alternativas efetivas, reintegração de egressos
e avaliação de crimes “insignificantes”:
… sobre a descriminação, é
necessário se reduzir as condenações por crimes classificados como
“insignificantes”. Temos crimes que entram no princípio da
insignificância e que enchem as prisões. A despenalização refere-se “a
uma atitude democrática dos juízes”. Na criminalidade patrimonial, por
exemplo, cujos índices são grandes, poderia ser estabelecido que, se o
dano tem até um salário-mínimo, não há significância e, portanto, não há
lesão de bem jurídico, não se aplica a pena. Já a
desinstitucionalização envolve o livramento condicional. Os diretores de
prisão costumam relatar que um preso que não teve bom comportamento não
merece o livramento condicional. A questão é muito subjetiva. Por isso
se ele já cumpriu dois terços da pena, ele deve merecer o beneficio. Há
ainda a remissão penal, quando a cada três dias de trabalho o preso tem
um dia de redução da pena. Mas a Justiça entende que este trabalho deve
ser produtivo, e não inclui o arsenal. E se a prisão não tiver o
trabalho produtivo? E não poderia ser a proporção de um dia de trabalho
para reduzir um dia de pena? Outra alternativa é o preso pagar a vítima
ou seus descendentes valores que variam de um a 300 salários mínimos. O
valor varia de acordo com o que o preso poderia pagar. A vítima não está
interessada na prisão ou punição do sujeito, mas em uma forma de
compensação…[24]
Criminólogos contemporâneos a muito apontam a exclusão sócio-econômica como o leitmotiv
da criminalidade (será que fica evidente que no Brasil há uma justiça
para ricos e outra para pobres?). A revolta contra a exclusão é o desejo
de ser incluído. Assim, a resposta eficaz para o problema da
criminalidade é a democracia real, porque nenhuma política
criminal substitui políticas públicas de emprego, salário digno,
moradia, saúde, lazer, escolarização etc. No dizer de Radbruch “não temos que fazer um direito penal melhor, mas sim algo melhor do que o direito penal.”[25]
Todavia, diante da realidade em que se
apresenta – e sabedores de que a democracia real está longe de ser
alcançada -, devemos buscar alternativas que possam, ao menos, amenizar o
problema da criminalidade. Mas para isso devemos parar de ser
hipócritas e admitirmos o fracasso da pena de prisão e a falácia do
atual sistema.
Bibliografia
ALBINO, Maria Clara e MARQUES, Carla.
Justiça Restaurativa e Mediação Penal – os Primeiros Passos no
Ordenamento Jurídico – Penal Português. Ministério da Justiça –
direção geral da administração extra-judicial, Gabinete para resolução
alternativa de litígios, Lisboa, Newsletter n. 8, Março 2007, p. 2.
Disponível em: <http://www.dgae.mj.pt>. Acesso em: 16 setembro
2008.
BATTISTELLI, María Esther Cafure de. Mediación Penal. Pensamiento penal y criminológico – revista de derecho penal integrado, ano II, n. 2, 2001, p 29-41.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas, 2º ed. São Paulo: Saraiva. 2001.
CRESPO. Eduardo Demetrio. De nuevo sobre el pensamiento abolicionista. Disponível em: <http://www.defensesociale.org/revista2003/07.pdf.> Acesso em: 08/06/2008.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. Raquel Ramalhete. 33. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
GOMES, Luiz Flávio. Penas e medidas alternativas à prisão:
doutrina e jurisprudência. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2000. (Coleção temas atuais de direito criminal –
v. 1.
JACCOUD, Mylène. Princípios, Tendência e
Procedimentos que Cercam a Justiça Restaurativa. In: SLAKMON, Catherine;
DE VITTO, Renato Campos Pinto e GOMES PINTO, Renato Sócrates (Orgs.). Justiça Restaurativa. Brasília, DF: MJ e PNUD, 2005. p. 163-186.
LARRAURI, Elena. Tendencias actuales de La justicia restauradora. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 12, n. 51, p. 67-103, nov./dez. 2004.
PALERMO, Pablo Galain. La reparación del danõ como ‘tercera vía’ punitiva? Especial consideración a la posición de Claus Roxin. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 13, v. 55, p. 162-229, jul./ago. 2005.
PALLAMOLLA, Raffaella da Porciuncula. Justiça Restaurativa: Legislação e Experiências Espanholas. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal, São Paulo, ano IX, n. 51, p. 177-197, ago./set. 2008.
PRUDENTE, Neemias Moretti. Justiça Restaurativa, Experiências Brasileiras, Propostas e Direitos Humanos. 2009.
276p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em
Direito – Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, 2009.
_____. Monitoramento Eletrônico: Uma Efetiva Alternativa à Prisão?. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, São Paulo, v.65, p.7-21, dez./jan 2010.
_____. O retrato das prisões brasileiras. O Diário do Norte do Paraná, Maringá, 08 abril 2008. Opinião, p. A2.
O COLAPSO do sistema prisional. O Estado de S. Paulo, 3 de janeiro de 2011. Notas e Informações, p. A3.
OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt. A vítima e o Direito Penal: uma abordagem do movimento vitimológico e seu impacto no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Trad. Marlene Holzhansen. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
RODRIGUEZ, Javier Llobet. Justicia restaurativa em La justicia penal juvenil In: BAIGÚN, David et. al. Estudios sobre justicia penal: homenaje al prof. Julio B. J. Maier, Buenos Aires: Del Puerto, 2005. p. 873-886.
SÁNCHEZ, Mauricio Martínez. Qué pasa em la criminologia moderna? Bogotá, Colômbia: Editorial Temis, 1990.
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2008.
[1] Cf. ZEHR, 2008, p. 61.
[2]
Os dados são do Sistema de Informações Penitenciárias – Infopen, do
Ministério da Justiça, que recebe informações, pela internet, sobre os
estabelecimentos penais e a população prisional, direto das Secretarias
estaduais de Segurança Pública.
[3]
Um relatório do The Pew Center on the States (2010), dos Estados
Unidos, sobre as taxas de encarceramento nas prisões norte-americanas
revela que 1 em cada 100 adultos americanos está preso. Ratificando
dados que sinalizam ser as prisões locais de grande segregação
socioeconômica, quando se trata de homens negros, na faixa etária entre
20 e 34 anos, a taxa de encarceramento é de um para cada nove homens. Em
todos os estados do país houve um aumento na taxa de prisões. Estima-se
que existam 2,3 milhões de presos nos Estados Unidos, e o estudo ainda
revela que as prisões e as cadeias requerem, cada vez mais, grandes
equipes de funcionários altamente treinadas. Dado o crescimento
exponencial da população prisional, o custo do sistema girou em torno de
US$ 49 bilhões, no ano passado. Em 1987, o custo era de US$ 12 bilhões.
Para 2011, dado o crescimento acelerado do número de presos, projeta-se
um acréscimo de mais US$ 25 bilhões nas despesas com as prisões (Cf.
Robson Sávio Reis Souza. Falência das Prisões. Jornal Estado de Minas, Belo Horizonte, 24 de março de 2008. Opinião, p. 9).
[4] Cf. Violência no Brasil: 50 vezes mais mortos que na Faixa de Gaza. Repórter Brasil. 14.01.2009. Disponível em: <http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=1487.> Acesso em: 20 de fevereiro de 2010.
[5] A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, depois de fazer mutirões em penitenciárias e cadeias públicas, constataram que as presas são submetidas a situações degradantes, principalmente nas cadeias femininas de detenção provisória geridas pela polícia, onde a superlotação chega a 600% da capacidade, cerca de 36% das mulheres encarceradas já haviam cumprido pena e não foram libertadas por falta de atendimento jurídico. O mais comum foi encontrar mulheres cumprindo mais penas do que precisavam. Também foi constatado um alto número de presas que já poderiam ter recebido os benefícios previstos pela LEP por bom comportamento. Contatou-se ainda presas abandonadas por maridos e esquecidas pela família. São mulheres que, além de não terem advogados constituídos, não contam com parentes que se preocupam com elas, seja visitando-as, seja mobilizando algum tipo de apoio jurídico, material e psicológico. Algumas dessas mulheres permanecem casadas, mas os maridos também estão presos. Algumas correm o risco de perderem a guarda dos filhos. Atualmente há cerca de 11 mil mulheres no Estado de São Paulo. Segundo as estimativas da Defensoria Pública, mais de 4.200 presas – o equivalente a 74% do total – não tem advogado constituído (Cf. PRESAS sem assistência jurídica. O Estado de São Paulo, São Paulo, 15 de junho de 2011. Notas & Informações, p. A3).
[6] BITENCOURT, 2001, p. 156-157.
[5] A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, depois de fazer mutirões em penitenciárias e cadeias públicas, constataram que as presas são submetidas a situações degradantes, principalmente nas cadeias femininas de detenção provisória geridas pela polícia, onde a superlotação chega a 600% da capacidade, cerca de 36% das mulheres encarceradas já haviam cumprido pena e não foram libertadas por falta de atendimento jurídico. O mais comum foi encontrar mulheres cumprindo mais penas do que precisavam. Também foi constatado um alto número de presas que já poderiam ter recebido os benefícios previstos pela LEP por bom comportamento. Contatou-se ainda presas abandonadas por maridos e esquecidas pela família. São mulheres que, além de não terem advogados constituídos, não contam com parentes que se preocupam com elas, seja visitando-as, seja mobilizando algum tipo de apoio jurídico, material e psicológico. Algumas dessas mulheres permanecem casadas, mas os maridos também estão presos. Algumas correm o risco de perderem a guarda dos filhos. Atualmente há cerca de 11 mil mulheres no Estado de São Paulo. Segundo as estimativas da Defensoria Pública, mais de 4.200 presas – o equivalente a 74% do total – não tem advogado constituído (Cf. PRESAS sem assistência jurídica. O Estado de São Paulo, São Paulo, 15 de junho de 2011. Notas & Informações, p. A3).
[6] BITENCOURT, 2001, p. 156-157.
[7] Cerca de 76% dos condenados no Brasil estão ociosos na prisão, aponta estudo. Disponível em: <http://www.montalvao.adv.br/plexus/ver.asp?id=125>. Acesso em: 29 de junho de 2011.
[8]
A atuação dos mutirões carcerários busca, não só dar efetividade à
Justiça criminal (fazendo um diagnóstico da situação dos presos e da
realidade dos presídios), garantir o cumprimento da lei de execuções
penais, com a revisão dos processos, como também contribuir para a
segurança pública, possibilitando aos presos à reinserção social.
[9] Cf. Robson Sávio Reis Souza. Falência das Prisões. Jornal Estado de Minas, Belo Horizonte, 24 de março de 2008. Opinião, p. 9.
[10] Cf. FOUCAULT, 2007. p. 221-223.
[11] Cf. ALBINO e MARQUES, 2007, p. 2.
[12] Cf. CARRASCO ADRIANO, Maria Del Mar apud PALLAMOLLA, 2008, p. 177; ALBINO e MARQUES, 2007, p. 2.
[13] Cf. ZEHR, 2008, p. 61.
[14] Cf. SHECAIRA, 2004, p. 327; JACCOUD, 2005, p. 164; OLIVEIRA, 1999, p. 48.
[15] Cf. LARRAURI, 2004. p. 72; JACCOUD, 2005, p. 164.
[16] Cf. JACCOUD, 2005, p. 165; OLIVEIRA, 1999, p. 48.
[17] Cf. SHECAIRA, 2004, p. 329-330.
[18] Cf. RODRIGUEZ, 2005, p. 875.
[19] Cf. SHECAIRA, 2004, p. 335; SÁNCHEZ, 1990, p. 1.
[20] LLANTADA, Bolívar dos Reis. Cadeia para quem? Zero Hora, Porto Alegre, 15 de agosto de 2009. Disponível em: <http://infodireito.blogspot.com/search.php?q=Bol%C3%ADvar+dos+Reis+Llantada&r=0&submit=Go!>.
Acesso em: 16 de agosto de 2009; Luiz Flávio Gomes distingue os
movimentos político-criminais da seguinte maneira: De um lado, há os
movimentos intervencionistas, que procuram incrementar a resposta
estatal para a resolução de conflitos penais, são eles, os movimentos
de criminalização, penalização, carcerização e institucionalização
(compreendendo a não-diversificação) e, de outro lado, os movimentos não-intervencionistas, que
caracterizam-se pela abolição ou drástica redução da intervenção
estatal para a resolução dos conflitos penais e confiam ou procuram
incrementar uma resposta mais social, informal e resolutiva que
meramente decisória, são eles, os movimentos da descriminalização,
despenalização, descarcerização, desinstitucionalização e diversificação
(Cf. GOMES, 2000, p. 62).
[21] Cf. SÁNCHES, 1990, p. 31-38; BARATTA apud BATTISTELLI, 2001, p 29-41; PALERMO, 2005. p. 177.
[22] Cf. CRESPO, 2008, p. 109.
[23] SANTOS, Juarez Cirino dos. O Sistema penal precisa ser reduzido. O Estado do Paraná,
23 de fevereiro de 2010. Disponível em:
<http://infodireito.blogspot.com/2010/02/sistema-penal-precisa-ser-reduzido-diz.html>.
Acesso em: 25 de fevereiro de 2010.
[24] SANTOS, Juarez Cirino dos. O Sistema penal precisa ser reduzido. O Estado do Paraná,
23 de fevereiro de 2010. Disponível em:
<http://infodireito.blogspot.com/2010/02/sistema-penal-precisa-ser-reduzido-diz.html>.
Acesso em: 25 de fevereiro de 2010.
[25] RADBRUCH, 2004, p. 246.
FONTE: http://atualidadesdodireito.com.br/neemiasprudente/2013/03/06/sistema-prisional-brasileiro-desafios-e-solucoes/
Nenhum comentário:
Postar um comentário