Livro resgata histórias do faquirismo no Brasil
Faquiresas erma colocadas em cúpulas de vidros, sobre camas de prego. (Foto: Divulgação)
De acordo com as
pesquisas históricas, uma estranha e curiosa prática começou a chamar
atenção na Europa no fim do século 19. Homens e mulheres que ficavam
expostos em urnas de vidro, fazendo jejum durante dias, eram atração nas
ruas europeias e não demorou a chegar ao mundo inteiro, ganhando suas
adaptações. Na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil, por exemplo,
roupas indianas e outras referências orientais foram inseridas, como a
prática do encantador de serpentes, a cama de pregos ou de cacos de
vidro. Aqui no país, os anos 1950 viram o grande auge dessa arte
underground, prática que era vista socialmente com a curiosidade da
repugnância, arte dos horrores. Mas atraía a atenção de muita gente e
também da imprensa, que acompanhava durante meses esses artistas em
jejum, em urnas de vidro, presos com cobras e deitados em camas de
pregos.
A história de 11 mulheres que
trabalharam como faquiresas e que passaram por diversas cidades do país,
inclusive Belém, estrelam o livro “Cravo na Carne – Fama e Fome”, sobre
o faquirismo no Brasil. O livro é escrito pelo historiador Alberto de
Oliveira e pelo amigo, Alberto Camarero que, juntos, narram as tristes,
tensas, dramáticas e, às vezes, pavorosas histórias dessas pessoas.
Em entrevista ao Você, o historiador
Alberto de Oliveira conta que a profissão de faquir não provinha de um
dom ou vocação. “Na maior parte das vezes, de tudo que a gente conseguiu
retratar, [o que elas queriam] era a busca pela fama e pela
sobrevivência. A maior parte dessas mulheres tentara várias coisas
antes, e a maior parte delas tentou carreira como cantora, dançarina,
mas falhou e partiu para o faquirismo. E todas elas, quando partem para o
faquirismo, era por desespero”, comenta o autor.
Na época, a singela decisão de seguir
carreira artística, como cantora ou dançarina, era motivo de vergonha
para uma mulher, que já era vista como prostituta pela sociedade se
escolhesse a profissão. No submundo estavam as faquiresas, que se
preocupavam em disputar o recorde feminino de mais longo jejum do mundo.
A peruana Princesa Yirak foi quem conseguiu a proeza, num jejum de 120
dias sem comer, na década de 1960. A artista, que se dizia filha de um
cacique inca, era conhecida como a “Mulher Serpente” e começou a deixar
de se alimentar, para deleite da plateia, aqui em Belém, onde passou 40
dias dentro de uma urna de vidro com 10 cobras. Após esse período,
seguiu de navio para Manaus e logo depois para a Venezuela. Três anos
antes dela, a paranaense Iliana jejuou em Belém durante 60 dias, também
cercada de serpentes, no Palácio Oriental, que ficava na Praça Justo
Chemont. Foram as únicas visitas de faquiresas na capital paraense
registradas pelo historiador.
As apresentações eram cercadas de
misticismo, sendo uma prática provinda da religiosidade indiana. Alguns
se diziam abençoados por Deus, com superpoderes que os faziam sobreviver
a venenos de cobras, poderiam andar sobre as águas, viver sem comer e
ainda assim não morreriam. Mas, para as poucas mulheres-faquiresas, o
fim era fadado às desgraças, narradas também no livro. Seja o suicídio
por um amor não correspondido, seja assassinada pelo marido, a vida
underground reservava também uma trajetória cruel. Uma dessas artistas
era sequestradora, que ia de cidade em cidade carregando e deixando
crianças. Outra história narra a vida de uma francesa dona de uma
pensão, que se envolveu amorosamente com um padre e teve a vida
destruída pelo escândalo social. Virou mendiga e passou fome. Depois de
descobrir o faquirismo, encontrou um meio de ganhar dinheiro passando
fome. Mas há também as histórias que se encerram mesmo sem morte. A
única faquiresa ainda viva no Brasil, por coincidência, é a mesma que um
dos autores do livro, Alberto Camarero, conheceu com oito anos. Na
época, a senhora atendia por nome Verinha e hoje esconde da família, dos
filhos e dos netos a história tida por ela como vergonhosa, o que, de
acordo com Alberto de Oliveira, mostra que essa arte ainda é vista como
parte de um submundo, e a melhor escolha seria esquecê-lo.
Mas a prática caiu em desuso. Alberto
de Oliveira conta que, a partir das pesquisas feitas pelos autores, o
último registro da uma apresentação de uma faquiresa foi em 1965, na
cidade de Caruaru. Na década de 80, um homem fez a última apresentação
no Brasil que se tem registro, em São Paulo. “A gente imagina que foi a
mudança social do Brasil, com a ditadura militar, que provavelmente na
época seria mais difícil passar pela censura um espetáculo desses”,
declara Alberto de Oliveira.
(Gustavo Aguiar/Diário do Pará
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