terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

JANETE CLAIR-A MAIOR NOVELISTA DA TELEDRAMATURGIA NACIONAL!INESQUECÍVEL E INSUPERÁVEL!

Artes e Espetáculos
O país mostra a cara na TV

"O salto qualitativo do folhetim brasileiro não se verificou em nenhum outro país. Prova disso é o sucesso que nossas produções fazem lá fora."
Janete Clair


Janete Clair esteve à frente de duas revoluções. A primeira foi a que transformou o dramalhão mexicano, vigente na televisão brasileira nos anos 60, no folhetim moderno e urbano da década seguinte – formato que perdura até hoje. Em 1973, ano em que deu esta entrevista a VEJA, Janete vinha do maior sucesso até então no novo gênero, Selva de Pedra, que no ano anterior havia conseguido a consagração: 100% dos televisores ligados. A outra revolução, quase simultânea, foi a que guindou a Globo ao primeiro lugar que ocupa até hoje. Isso ocorreu quando se formatou a programação da noite, com o Jornal Nacional ensanduichado entre duas novelas. A das 8 – latifúndio de Janete Clair nos anos 70 – se tornou o prato de resistência da audiência.
Entrevista da saudosa Janete Clair concedida à "Revista Veja",em Janeiro de 1973.

Entrevista: JANET CLAIRA arte popular das novelas
A receita da autora de "Selva de Pedra": aventuras,
amor, morte e suspense em doses certas

L�cia Rito
Aos nove anos, Janet Emmer tirava 10 nas redações que depois eram lidas para a classe. Aos 27, romântica, gostava de ouvir "Clair de Lune", de Debussy, e assim ganharia o pseudônimo com que mais tarde iria assinar as novelas de maior audiência da televisão brasileira: Janet Clair. Autora de "Rosa Rebelde", "Véu de Noiva", "Irmãos Coragem" e "O Homem que Deve Morrer", transformou-se na dona do horário das 20 horas, na Rede Globo, e de 30 milhões de telespectadores. Sua última novela, "Selva de Pedra", conseguiu 100% de Ibope no Rio de Janeiro e em São Paulo, e esta semana sai do ar. Desta vez, Janet também pede licença: depois de quatro anos de trabalho ininterrupto, entra em férias; vai para o México, de onde pretende voltar com a imaginação enriquecida, e quem sabe com um ou outro personagem com sotaque castelhano.
Casada com o novelista Dias Gomes ("Bandeira 2"), mãe de Guilherme, de 22 anos, Denise, de dezenove, e Alfredo, de doze, Janet, aos 48 anos, confessa ter medo do sucesso que alcançou. Mineira de Conquista, passou a infância em Franca, no interior de São Paulo, de onde se mudou aos quinze anos, com a família, para a capital do Estado. Ia estudar bacteriologia. "O sonho da minha família era me ver formada". Não agüentou: logo nas primeiras semanas deixou os estudos e, pelas mãos da irmã Amilde ("A mais bela voz de São Paulo", segundo concurso ganho em 1946), entrou para o rádio, onde escreveria quarenta novelas ("Perdão, Meu Filho", a primeira). Em 1963, escreveu "O Acusador", na TV Tupi, mas só passaria definitivamente para a televisão em 1967, quando, depois de muita insistência, conseguiu da toda-poderosa diretora de novelas da Globo, Gloria Magadan, a tarefa de salvar "Anastásia", uma novela cara e sem Ibope. "Vou botar um abacaxi nas suas mãos", disse Gloria. E Janet, depois de uma noite sem dormir, encontrou a solução: um terremoto mataria 35 personagens supérfluos, e os cinco sobreviventes levaram a novela adiante com menos custo e mais Ibope.
VEJA - Diariamente, sua novela "Selva de Pedra", foi vista por mais de 30 milhões de brasileiros e há um mês você conseguiu 100% de audiência dos aparelhos ligados, fato até então inédito na televisão. Como se sente diante disso?JANET - Os 100% de Ibope aumentaram muito minha responsabilidade. Minha sensação é de medo. E muita humildade. De repente, vejo meu trabalho crescer, tornar-se gigante e eu me sinto pequena, e surpresa: pela primeira vez a repercussão de uma novela foi inesperada para mim. "Selva de Pedra" atingiu todas as camadas sociais. Minha empregada assiste, minhas amigas, advogados, médicos. Outro dia, fui à inauguração do Teatro Bloch e não sabia mais o que dizer às pessoas. Até o ex-presidente Juscelino Kubitschek mostrou que é meu fã e muito aflito chegou para Regina Duarte e disse: "Minha filha, não agüento mais ver você sofrendo naquela casa. Quando é que isso vai terminar?" Quer dizer, é uma coisa que me chocou muito. Foi meu maior sucesso até agora.
VEJA - Qual é o segredo?JANET - Os ingredientes necessários são amor, aventuras, morte e suspense. Mas não se pode abusar deles. Sei até onde o público suporta uma emoção e é essa medida exata que tem me ajudado. Uma boa novela é justamente aquela bem dosada. Não gosto de cenas longas. Também não se pode abusar da dinâmica. Você joga um impacto na história, mas até onde ele pode ser explorado? Não mais do que em três capítulos. O drama tem que ser entremeado com o riso. Nunca chocar sem na cena seguinte dar uma oportunidade para o público respirar.
VEJA - Suas novelas mantêm resquícios dos antigos folhetins?JANET - Misturo romance com aventura numa linguagem moderna. Não existe mais nenhum resquício do antigo folhetim. O dramalhão gratuito já foi abolido há muito tempo.
VEJA - Certa vez você disse que não fazia novelas para os ricos porque se considerava do povo, e a opinião do trabalhador sobre suas novelas era mais importante que a do intelectual. Você se considera realmente uma escritora popular?JANET - Claro que me considero e tenho muito orgulho de ser tão popular. A opinião dos intelectuais me assusta um pouco. Eles exigem demais da gente. E as coisas podem ser muito simples. Acho que aí está todo o segredo do sucesso. Ser simples e ter humildade de reconhecer seus defeitos.
VEJA - Você disse também que não está preocupada em abordar os grandes temas sociais em suas novelas e que seus ingredientes são o amor e o romance. Por quê? Não é muito cômodo poder falar para milhões de pessoas e só mostrar o lado positivo da vida?JANET - Isto é injusto. Eu não mostro só o lado positivo, nem minhas novelas são feitas só de leveza e felicidade. Acho que tenho abordado temas bem mais arrojados. O que disse é que misturo romance e aventura, para que o público goste e tenha um bom espetáculo. Disse também que não me preocupo em abordar "só" temas sociais. Acho que ficaria uma novela chata de se ver. Como já afirmei, é preciso saber misturar os ingredientes.
VEJA - Qual é na verdade a função de um novelista? Apenas contar uma história ou de alguma maneira contribuir para despertar a consciência do público para os problemas que o cercam?JANET - Antigamente eu me sentia na obrigação de apenas contar uma história. Hoje a responsabilidade aumentou. E tenho receio de perder um pouco da minha antiga simplicidade. O público está exigindo cada vez mais. Novelas são analisadas como grandes obras literárias pelos críticos. Mas acho que estamos no caminho certo. Não perder a simplicidade... É dizer sempre alguma coisa a mais.
VEJA - Quanto tempo leva para escrever uma novela? Qual é seu esquema de trabalho?JANET - Levo o tempo de duração da novela. O autor tem de ter um mês de capítulos escritos na frente dos que estão no ar. Uma novela tem a duração de oito a nove meses e cada semana escrevo seis capítulos. Levo de três a quatro dias para fazer um bloco de seis. No resto da semana descanso, mas enquanto descanso penso, crio situações na mente, para quando entrar na máquina escrever com mais facilidade. Quanto ao esquema de trabalho é simples. Apresento a temática da novela à direção da Globo, discuto com eles, acato opiniões e, quando está tudo definido, escrevo a sinopse que é apresentada como um produto acabado. Junto com ela já estão especificados os personagens, os cenários e os locais, e os atores são escolhidos de comum acordo com a direção.
VEJA - De onde vem a inspiração para suas novelas?JANET - Da vida, dos jornais, dos dramas que as pessoas contam. A história de Cristiano tirei de uma notícia de um rapaz que tocava bumbo numa praça, no interior de Pernambuco. Ele foi ridicularizado por um outro rapaz e de noite foi tomar satisfações e o matou. A história surgiu daí e só então é que notamos que a temática era semelhante à "Tragédia Americana" (do escritor Theodore Dreiser), apesar da história da novela em si não ter nada a ver com o romance.
VEJA - O Ibope é realmente termômetro de um novelista?JANET - Há muito exagero em relação ao papel tirânico desempenhado pelo Ibope. Sendo a telenovela uma forma de arte popular, evidentemente o que conta é a reação do grande público. E ela me influencia, é claro. Mas não ao ponto que se supõe. Muita gente imagina que vivemos diariamente consultando o Ibope antes de escrever um capítulo. Mas confesso que às vezes passo meses sem saber a quantas anda o Ibope da minha novela, porque nunca fui à televisão para consultá-lo. Mas talvez eu seja privilegiada porque minhas novelas nunca deram menos de 50%. Se acontecesse isso talvez eu sentisse mais sua influência. Inclusive a própria direção da Globo não me avisa mais quando o Ibope sobe muito. No dia em que deu 100% eles ligaram para mim. Agora já não dão mais importância.
VEJA - As novelas de um modo geral evoluíram?JANET - Claro que evoluíram. A telenovela, hoje, pouco tem a ver com as de cinco anos atrás, que eram lineares, desenvolviam-se em torno de uma história só - mais precisamente, do herói e da heroína, os donos de todas as virtudes. O maniqueísmo, a divisão dos personagens em bons e maus, era uma característica e as histórias, de um modo geral, abordavam problemas que pouco têm a ver com o mundo de hoje. Atualmente, no que diz respeito à forma, a telenovela se aproxima mais do romance moderno. A ação não se desenvolve unicamente em torno de uma história, mas de várias e de uma complexidade às vezes muito grande. Por outro lado, todos os personagens, positivos ou negativos, passaram a ter qualidades e defeitos como todo mundo. A construção dos personagens ganhou profundidade, procurando se evidenciar o caráter contraditório da criatura humana. É claro que as novelas poderão ser ainda melhores, como tudo poderá ser melhor na arte ou na vida. E para isso acontecer é só dar a todos, atores, autores e técnicos, melhores condições de trabalho. Para isso a Globo já está construindo estúdios novos, que contribuirão em muito para melhorar a produção das novelas.
VEJA - O autor é um mero escritor e o resto fica por conta do diretor ou é necessário que haja uma afinidade entre ambos?JANET - O autor dificilmente pode deixar de envolver-se com problemas que teoricamente deveriam ficar a cargo da direção e da produção. É fácil explicar: a telenovela é uma obra aberta e inacabada. O diretor só tem conhecimento dos capítulos que está gravando. A visão do autor vai um pouco mais adiante. Assim, o diálogo autor-diretor precisa ser freqüente. Deve haver, não digo afinidade, mas compreensão perfeita de propósitos. O diretor deve estar inteiramente identificado com as intenções do autor.
VEJA - A propósito, quais os melhores novelistas brasileiros?JANET - Dias Gomes, Walter Negrão, Vicente Sesso e Ivani Ribeiro. Porque eles entendem do metiê.
VEJA - O nível das novelas brasileiras é o melhor do mundo?JANET - É, e respondo com a maior tranqüilidade. E não sou eu que digo. São os próprios diretores de emissoras de todo o mundo. É que o salto qualitativo aqui verificado não ocorreu em nenhum outro país, infelizmente. Na América do Norte e nos demais países da América Latina, a telenovela ainda continua naquele estágio de melodrama lacrimoso e primário. Conheço algumas, e acho-as da pior qualidade - quer a americana "Caldeira do Diabo", quer "Simplesmente Maria", que era argentina, ou a cubana "O Direito de Nascer". Todas eram do mesmo nível das antigas novelas radiofônicas que hoje o público brasileiro dificilmente aceitaria. E prova disso é o sucesso que nossas novelas estão fazendo lá fora. Na Argentina, México e Peru estão sendo exibidas "Minha Doce Namorada", de Vicente Sesso; "Véu de Noiva" e "Irmãos Coragem" minhas; "Assim na Terra como no Céu", do Dias Gomes; e recentemente "Nino, o Italianinho", do Geraldo Vietri, ganhou até prêmio.
VEJA - Qual a importância cultural das novelas?JANET - Elas são, sem dúvida, o mais poderoso veículo de cultura de massas. E, se você quiser saber se elas despertam a atenção do público para os problemas sociais, basta ler as cartas que recebemos ou simplesmente escutar as conversas de rua, onde esses problemas, quando levantados, são debatidos, como coisa acontecida.
VEJA - Dizem que durante quatro anos você não se afastou da televisão só para não deixar o horário das 20 horas, que sempre foi sinônimo de sucesso. E agora? Vão poder substitui-la com facilidade?JANET - Não existe mistério algum. Simplesmente nunca outro autor escreveu para este horário na TV Globo, mas é lógico que tenho ciúme do horário, acho natural. Acredito que Walter Negrão vá fazer o mesmo sucesso com "Cavalo de Aço". Ou mais até.
VEJA - Com qual das suas novelas você se identificou mais? E qual foi o personagem que mais a satisfez?JANET - Minha novela preferida é "Irmãos Coragem", uma novela aberta, diferente da "Selva", que é cheia de conflitos. Quanto ao personagem, minha maior criação foi João Coragem e sei que nunca mais vou fazer outro igual a ele. É o mais idealista de todos, o mais arrojado.
VEJA - Qual o envolvimento que você tem com seus personagens? Chega a amá-los ou não se interessa mais por eles depois que escreveu?JANET - Passo a viver o problema de cada um deles. Amo a todos e sinto falta quanto eles vão embora. Simone, por exemplo, tem muito de mim na sua simplicidade. A única coisa que ela queria era amar. É um personagem extremamente humano.
VEJA - Dizem que "Cavalo de Aço" seria a volta de João Coragem, assim como Odorico, a de Tucão. Por que a repetição de temas?JANET - A afirmação é leviana, pois até agora ninguém conhece sequer um capítulo dessas novelas. Quanto a "O Bem-Amado", que eu conheço bem, devo dizer que não vejo qualquer semelhança do seu personagem central com o Tucão de "Bandeira 2". A não ser que ambos são interpretados pelo mesmo ator, Paulo Gracindo. E, pelo que conheço de "Cavalo de Aço", o herói da história não tem nada a ver com João Coragem. Ao contrário, será mais uma criação de Tarcísio Meira.
VEJA - Em 1967, na novela "Sangue e Areia", você mudou a história porque o público não se conformava em ver o herói trair a esposa com a amante. Por quê?JANET - Em "Sangue e Areia" o público ainda estava habituado aos antigos novelões em que herói e heroína deviam ser perfeitos, quadradões. Garanto que hoje eu não teria que mudar a história. A vida mudou muito daquela época para cá.
VEJA - Até que ponto você se influencia pela opinião do público? Recebe muitas cartas?JANET - Recebo muitas cartas mas geralmente não me influenciam. A não ser que seja uma opinião geral, unânime. Mas as opiniões divergem muito sobre cada um dos personagens. Não se pode ter uma média geral.
VEJA - Como você testa o sucesso de seus personagens?JANET - Geralmente não pergunto. As opiniões vêm até mim, favoráveis ou não. Nas lojas e no cabeleireiro é onde falam mais sobre a novela. Mas, se tenho um tipo criado e confio nele, vou até o fim mesmo contrariando algumas opiniões. É só uma questão de tempo. Acabam aceitando e chorando por ele. Como foi o caso de Miro, em "Selva de Pedra". No início era odiado, depois todo mundo ficou com pena porque morreu.
VEJA - Nesses anos todos em que passou escrevendo novelas, qual foi o caso mais engraçado que aconteceu com você?JANET - O mais engraçado foi a coincidência quando "Irmãos Coragem" começou. Fui procurada por um dos irmãos Coragem, que de fato existiam. Quando inventei esse nome jamais poderia imaginar que houvesse alguém chamado assim. Mas a família verdadeira era muito diferente da da novela. Foi incrível, porque veio o irmão mais velho, Wilson Coragem, um advogado do interior de Minas, muito bem educado, querendo saber se eu iria contar a história da família dele. Estava preocupado porque tinha dois irmãos, um chamado Luís, outro João, este último muito briguento. A novela ainda não tinha estreado, só estavam fazendo as chamadas. Mostrei-lhe os dez primeiros capítulos e, como era tudo totalmente diferente, ele ficou meu amigo até hoje.
VEJA - Na sua opinião qual foi a melhor novela já feita até hoje na televisão brasileira?JANET - "Bandeira 2", do Dias.
VEJA - É verdade que Dias Gomes é seu crítico mais severo, que refreia sua tendência de dramatizar demais as coisas?JANET - É verdade. Ele é severo até com sua própria obra. Também é verdade que ele já refreou muito minha tendência para dramatizar as coisas. Hoje em dia, entretanto, já não estou precisando de freio. Acho que evoluí um pouco e devo isso a ele. Mas somos muito diferentes. O Dias é realista, objetivo, não fantasia. Eu apenas procuro fazer as coisas dentro de uma realidade, mas uma realidade fantasiosa, entende? O Dias, por exemplo, jamais faria o que fiz com Simone, prendê-la numa casa através de Fernanda. Ele descobriria outra saída, dentro da realidade. Já eu, levei o suspense a tal ponto, num tal clima de tensão, que o público aceitou tranqüilamente a situação.
VEJA - Mas você não acha que agindo assim está contribuindo para o público se distanciar cada vez mais da realidade?JANET - Não, em absoluto. Minhas histórias só são benéficas, porque procuro sempre no final dar uma lição de moral, transmitir algo importante.
VEJA - Você assiste diariamente à sua novela, vibra com ela?JANET - Assisto a todos os capítulos e na maioria das vezes me entusiasmo mesmo já sabendo o que vai acontecer. Sou empolgada com tudo o que faço.
VEJA - Depois de quatro anos ininterruptos escrevendo novelas você resolveu, enfim, tirar férias. Não vai sentir falta?JANET - Vou descansar, viajar, renovar idéias. Já me acostumei com o trabalho e não poderia viver sem criar alguma coisa. Eu escrevo com amor, gosto do que faço. Para mim, escrever é sobreviver. Já é vício de imaginação, e, mesmo descansando, a mente não pára de inventar histórias. Acho que a novela para mim de fato se tornou um vício. O único, graças a Deus.
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